Uma breve história verídica sobre o encanto que os procedimentos rotineiros podem proporcionar até mesmo uma declaração de eu te amo.
Certo dia, enquanto avaliava pacientes na enfermaria, me deparei com uma cena inusitada no corredor. O espaço estava em plena atividade, repleto de acompanhantes conversando, crianças correndo e pacientes aguardando ansiosamente o atendimento.
No meio desse frenesi, algo capturou minha atenção de forma peculiar: uma paciente, vestida com uma camisola hospitalar aberta, estava caminhando pelo corredor como se desfilasse em um tapete vermelho. Ela parecia alheia à visão que estava proporcionando aos transeuntes. Esta paciente, que estava internada devido a uma pneumonia e recebia acompanhamento psiquiátrico, estava exibindo uma confiança quase teatral.
Ao seu lado, seu filho, visivelmente exausto e desalentado, havia decidido adotar uma abordagem mais passiva. Ele observava a mãe de longe, provavelmente rezando para que ela não causasse mais confusão. Senti uma pontada de preocupação, pois a cena, além de inusitada, chamava a atenção de todos ao redor.
Revisei rapidamente o prontuário e os exames da rotina, e para minha surpresa, a paciente estava em condições de alta. Com um sentimento de alívio, preparei os documentos para a alta e me dirigi ao corredor, decidida a resolver a situação antes que atraísse ainda mais olhares curiosos.
Ao encontrá-la no meio da multidão,entreguei os papeis de alta com um sorriso simpático. Explicando a situação, comuniquei-lhe que estava liberada para ir para casa.
No instante em que ela recebeu a notícia, sua expressão mudou para uma de imensa satisfação. Ela segurou meus braços com uma intensidade inesperada, olhou-me nos olhos com a profundidade de um poeta apaixonado e declarou com toda a sinceridade que poderia reunir:
-Verdadeiramente, eu te amo.
Fiquei momentaneamente surpresa, sem saber exatamente como reagir. Após uma breve pausa, consegui murmurar um agradecimento:
-Obrigada.
Mas a paciente, com uma determinação tão intensa quanto a de um herói de novela mexicana, repetiu, agora com mais veemência:
-Verdadeiramente, eu te amo e irei voltar para te ver outra vez, para tomarmos café.
Tentando manter uma postura profissional e prática, respondi:
-Não será necessário, não precisa voltar.
No entanto, ela insistiu com a tenacidade de alguém que estava prestes a fazer uma declaração de amor eterno. Eu, por minha vez, tentei ser firme e, ao mesmo tempo, manter a compostura. Finalmente, após uma troca de palavras insistentes, ela saiu desolada, com um misto de alegria pela alta e tristeza pela despedida inesperada.
Eu permaneci ali, no corredor, observando-a partir do fundo do corredor. O ambiente da enfermaria, apesar de ser um lugar de cuidados e desafios, revelava sua capacidade de surpreender a qualquer momento.
Em meio àquela cena, percebi que, por trás de cada paciente e de cada situação, existem histórias emocionantes e profundas. Ainda hoje, sempre que lembro dessa história, não posso deixar de tirar umas boas gargalhadas. Nunca imaginei que um simples dia de trabalho poderia proporcionar uma declaração tão intensa e inesperada.
A verdade é que a rotina, muitas vezes vista como monótona e previsível, tem o potencial de nos encantar de formas inesperadas e memoráveis. A beleza da rotina está na sua simplicidade e na capacidade de revelar momentos de extraordinária profundidade e significado, mesmo em meio às tarefas mais comuns.
Às vezes, é um sorriso espontâneo, um gesto gentil ou uma interação sincera que dura apenas alguns breves segundos, mas que tem o poder de deixar uma marca eterna e inesquecível.
Esses momentos fugazes podem transformar a rotina diária em uma sequência de experiências enriquecedoras, proporcionando um alívio inesperado do tédio e uma sensação de conexão e propósito. Cada instante, por mais efêmero que seja, carrega a possibilidade de nos tocar e mudar nossa perspectiva sobre o que consideramos ser o comum e o extraordinário.
Assim, o cotidiano, longe de ser apenas uma sequência de ações repetitivas, torna-se um palco onde a magia e a profundidade podem surgir a qualquer momento, nos lembrando que até os aspectos mais ordinários da vida têm o poder de nos surpreender e encantar. É um recado de um “eu te amo” verdadeiro.
Verdadeiramente, eu te amo…
Recomendo ler o livro: O Milagre da manhã para uma rotina produtiva